VIOLÊNCIA E SILÊNCIO: O PACTO PATRIARCAL - Meu nome é Johni

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VIOLÊNCIA E SILÊNCIO: O PACTO PATRIARCAL

VIOLÊNCIA E SILÊNCIO: O PACTO PATRIARCAL

Certa vez, quando organizei um curso de Literatura Contemporânea Latino-americana, trabalhei com os estudantes o conto “Mulheres desesperadas”, da escritora argentina Samantha Schweblin. O texto, originalmente publicado em 2002, no livro Pájarosenla boca, propõe discutir as relações de poder entre gêneros a partir da reincidência de uma imagem: o abandono/descarte de esposas por seus maridos. Deixadas à beira de uma estrada qualquer, em uma espécie de desterro de toda vida, àquelas tantas mulheres caberiam o lamento individual e o fardo da própria solidão. Ou, pelo menos, era tal o destino esperado/determinado pela estrutura patriarcal, que trabalha pela redução de mulheres à condição de coisa e, portanto, à natureza descartável. É neste ponto, porém, que o conto rompe com as expectativas patriarcais e flagra o acontecimento de uma união entre mulheres. A dor, antes cerrada no em si do indivíduo, se configura como motor de um levante, quando coletivizada. A lamúria pelo abandono passa, então, à consciência política da assimetria de poder entre gêneros, o que orienta um desejo revolucionário entre aquelas que, ao experimentarem a dimensão coletiva da redução ao descarte, mobilizaram um devir-mulher. Assim, ao verem aproximar-se mais um carro, não têm dúvidas: tomam-no de assalto, deixando, ao rés da estrada, não a esposa, mas o marido. Ao fim, agora de posse do veículo e decidindo quais curvas tomar, as mulheres veem um exame de outros carros dirigindo na direção oposta a delas: eram homens, aos milhares, que iam em socorro daquele há poucos minutos abandonado. O pacto patriarcal, que organiza uma zona de cumplicidade e de proteção entre homens, uma fraternidade de fato, está aí exposto.

São inúmeras, as formas com que o pacto patriarcal se atualiza e se apresenta no dia a dia. Por exemplo, quando mulheres são deslegitimadas como “loucas”, “histéricas” ou “encrenqueiras” porque não aceitam o jugo masculino e disputam a enunciação narrativa ou, noutro plano, como “gente que quer aparecer”, quando denunciam as desigualdades em que vivem e as assimetrias de julgamento que sofrem. Ou ainda quando o agressor é esvaziado de culpa e esta é deslocada para a vítima – como se uma roupa servisse de autorização ao estupro. Ou, quando diante da violência exercida, por mais brutal que seja, o silêncio e os rituais de amizade tomam o lugar da condenação.

Robinho, condenado em última instância na Itália por estupro coletivo de uma mulher albanesa, anda tranquilamente pelo litoral paulista, posa para fotos e recebe antigos companheiros de ofício, como se ainda pudesse ter o direito de gozar o status de ídolo. Daniel Alves, em que pese o fato de a investigação e o processo estarem em curso, é, assim como o santista, também acusado de estupro. E também como no caso do santista, o futebol – companheiros de time e de seleção, comentaristas que teimam em distanciar esporte e política – faz silêncio. Este silêncio não é a cautela necessária diante de cenas que se vão revelando aos poucos, mas, isto sim, o pacto patriarcal que atua para, quando não é possível desresponsabilizar o homem, ao menos não condená-lo publicamente. Os homens continuam correndo em socorro de outros homens, ainda que por meio de um silêncio ruidoso, eloquente – não importando quão graves sejam suas faltas.

Diante de tal constatação, a esperança permanece sendo a mesma, e única possível: o desmonte do silêncio que mulheres organizadas em coletivo – como grupalidades de cuidado e fortalecimento, como redes de apoio – vêm produzindo. Tais tensionamentos no pacto patriarcal produzem aberturas por intermédio das quais podemos vislumbrar uma saída, um caminho.

O futuro é tempo que se conjuga no feminino.

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Imagem: reprodução da internet                   

06/02/2023 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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