URGÊNCIA: REVERTER O CANSAÇO - Meu nome é Johni

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URGÊNCIA: REVERTER O CANSAÇO

URGÊNCIA: REVERTER O CANSAÇO

O que há em mim é sobretudo cansaço –

Não disto nem daquilo

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.

Álvaro de Campos, o heterônimo de Fernando Pessoa que me é mais próximo e amado, é o autor dos versos com que abro esse texto, os quais parecem traduzir mais do que o estado anímico do eu lírico ali registrado. De fato, também eu e, pelo que tenho percebido, diversas pessoas ao meu redor mais íntimo, nos vemos, de um modo ou outro, naquela palavra: cansaço.

Não se trata do cansaço simples, oriundo de um esforço demasiado, que encontra solução em uma boa noite de sono seguida de um prazeroso nada para fazer. Mas, de um outro nível de cansaço. Este não se localiza em um músculo específico.Antes, espalha sua sombra difusa por todo o corpo. Refere-se a um estado de esgotamento; um processo contínuo e perigoso de despotencialização, uma sensação terrível de impotência absoluta diante das coisas da vida – uma resignação violenta em face da naturalização de um destino que é o avesso do desejo.

Nunca estivemos tão doentes. Nunca precisamos tanto de medicação para manter o corpo em pé, numa frágil encenação de si mesmo como força ativa. Nunca estivemos tão à mercê de tudo o que está posto, de fora para dentro e de cima para baixo, como exigência a nós. Nunca fomos tão reféns daquelas palavras que nos reconfortam um pouco diante da certeza de que a vida é isso aí mesmo, que precisamos ser resilientes, fortes, corajosos ou qualquer outra besteira que cumpra a sua função de nos dar um falso brio, que é o input suficiente para acordarmos no outro dia, mantermos tudo exatamente como está e nos acharmos heróis por vencer mais 24 horas.

A verdade é que fomos seduzidos tempo demais por uma lógica que nos captura a vida e, em troca, nos oferece algo que é da ordem de um resto, uma sobra, um resquício infinitesimal do que poderíamos ser. Acreditamos nas promessas de gozo e nos submetemos aos sacrifícios sem nos atentarmos que, no fim, tudo o que há é uma espiral de sacrifícios e nenhuma alegria – refiro-me à alegria como aquele afeto que mobiliza em nós um modo ativo de estar no mundo, um móbil para nos colocarmos na vida, não estacoisa chinfrim que comercializam nas comédias do tipo besteirol, nos programas de televisão ou nos bares, o riso fácil e burro, de duração menor que um minuto.

Reverter os processos de esgotamento que nos subjetivam não é tarefa fácil ou que possa ser delegada aos fármacos – e que esta última frase não seja lida de forma irresponsável, como uma sugestão para o abandono de remédios, sem dúvida necessários para lidar com os males que nos acometem o corpo ou mesmo, em muitas situações, com o sofrimento psíquico. O que afirmo é que a reversão da estrutura que faz multiplicar ad infinitum o esgotamento não se dará por via de fórmulas, pílulas, chás e comprimidos – aliás, muitas vezes, estes são dispositivos que, direta ou indiretamente, atuam para sustentá-la.

Neutralizar a tendência espiralada em que estamos imersos e, uma vez feito isso, revertê-la no avesso do esgotamento, que é a potencialização alegre de nossos corpos, exige o gesto radical de criação de outros modos de existir. Nada como o retorno a um estágio anterior, um regresso, uma volta ao que éramos quando… –não se trata da fantasia de uma origem perdida ou de um passado nostálgico. Cair nesta lógica é manter-se atado à repetição do mesmo, que é a base do esgotamento. É preciso um corte agudo que aponte para uma saída da cadeia de repetições e que nos reposicione como potências criadoras. Apenas recuperando o caráter selvagem que nos faz criadores, esta força cuja domesticação ao longo dos séculos nos trouxe ao campo de adoecimentos que é a vida contemporânea, podemos constituir uma saúde que não seja aquela mínima de nos manter em uma sobrevidaagônica, mas, sim, um modo pleno de estar no mundo.

A LUTA CONTINUA. JOHNI VIVE!

Foto: Álvaro de Campos, o heterônimo de Fernando Pessoa – Reprodução Internet

10/09/2021 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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