UM MESMO E VELHO CLICHÊ - Meu nome é Johni

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UM MESMO E VELHO CLICHÊ

UM MESMO E VELHO CLICHÊ

Foto: Camila Souza/GOVBA

 

Eu tento, juro que tento, mas, às vezes, é impossível fugir aos clichês de sempre.

Há alguns dias, eu estive no Festival Literário Nacional (FLIN), organizado pela Fundação Pedro Calmon, que ocorreu no bairro de Cajazeiras, em Salvador, entre as datas de 12 e 15 de novembro. Composto majoritariamente por vozes femininas negras e por corpos tensionantes do modelo hegemônico cis-heternormativo, o evento foi poderoso em muitos aspectos, sobretudo, ao borrar, ainda que temporariamente, as demarcações centro/periferia, constituindo Cajazeiras – localidade constantemente alvo de piadas subalternizantes, que apontam para sua distância em relação ao centro da capital baiana – como referência no mapa de eventos culturais e acadêmicos desta cidade.

No entanto, a academia não esteve lá. Em conversa particular com um dos organizadores do evento, fui informado de que o público da FLIN se compunha, em sua maior parte, e lindamente, de estudantes das escolas de Ensino Fundamental e Médio da região – pouca ou nenhuma presença dos corpos discente e docente das universidades públicas e privadas. Não causa espanto: a hipocrisia acadêmica não é um fato novo, muito menos algo que passe despercebido de olhos mais atentos ao descompasso entre discurso e práxis. Não tenho qualquer dúvida de que, se xsconvidadxs da FLIN – nomes como Joel Zito Araújo, Luciany Aparecida, Jamile Coelho, MV Bill, Jarid Arraes, Mel Duarte, Lívia Natália, Ryanne Leão, Amara Moira, entre outrxs – estivessem em mesas organizadas no interior dos muros acadêmicos ou em eventos localizados no centro da cidade, como a FLIPELÔ, estudantes e pesquisadrxs dos cursos de Letras, Artes Cênicas, Artes Visuais, História, Cinema, Comunicação, etc. – em suma, pessoas que mobilizam pensamentos críticos propositores de uma produção de deslocamentos geográficos e epistêmicos, além da quebra de um modelo organizacional hierárquico baseado no binômio centro/periferia – se fariam presentes.

Entendam: o evento não se fez menor, no que concerne ao agenciamento de discussões potentes, por conta da ausência deste público em específico. A presença fundamental das escolas – e, talvez seja mesmo isso, fazer chegarem tais referências às escolas, ainda mais àquelas predominantemente compostas por corpos negros – ativou forças incríveis: experiências que atravessaram aquelxsmeninxs que, em suas perguntas, em dicção às vezes de criança ou adolescente-quase-adulto, revelaram o quanto tais encontros faltam em seu cotidiano escolar, em suas vidas.

O ponto é mesmo outro. E é um velho clichê: a distância entre o discurso teórico afinado para boas notas, publicações e glória (leia-se, citações) junto ao meio acadêmico e uma prática cotidiana em (quase) tudo distante do que se publica em ensaios, dissertações e teses. Os corpos que agenciam deslocamentos – discursivos, epistêmicos – são os mesmos que evitaram se deslocar dos centros em que habitam e/ou estudam – e, talvez, até discutam a produção daquelxs que foram convidadxs para a FLIN – para Cajazeiras. Evidentemente, motivos pessoais há muitos que justifiquem a não ida. Mas, convenhamos, é difícil de engolir a hipótese de que todxs aqueles rostos tarimbados e recorrentes em eventos outros – centrais, nos centros – tenham tido tragédias particulares justamente entre os dias 12 e 15 de novembro (aliás, se for o caso, não custa recomendar um bom banho de folhas).

Enfim, o que isso tem a ver com a agenda de um blogvoltado às discussões sobre sociodiversidade? Simples: se pensada como um sintoma, a ausência do público acadêmico revela algo preocupante, embora remeta a nenhuma novidade: a produção de deslocamentos – uma das tarefas políticas mais urgentes e fortes de nosso tempo – interessa a muitxs apenas quando pode ser reduzida a tema de suas dissertações e teses, não como um modo de vida.

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A LUTA CONTINUA, JOHNI VIVE!

05/12/2019 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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