SOBRE A REAÇÃO A THE LAST OF US PART II - Meu nome é Johni

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SOBRE A REAÇÃO A THE LAST OF US PART II

SOBRE A REAÇÃO A THE LAST OF US PART II

Recentemente, a NaughtyDog, empresa bem sucedida do ramo de desenvolvimento de jogos eletrônicos, publicou The lastofuspart II, aguardada sequência de uma história iniciada em 2013, expandido o universo pós-apocalíptico em que se narram as trajetórias de Joel e Ellie, cujos laços afetivos mimetizam uma relação pai-filha. O primeiro jogo, responsável por apresentar as personagens e introduzir os conceitos básicos de seu mundo, é centrado em Joel – alguém atravessado pelo luto em função da perda de sua pequena filha, Sarah, ainda nos momentos iniciais da pandemia que fez desmoronar a sociedade moderna tal como a conhecemos. Nos anos seguintes, acompanhamos um homem bruto, amargo, desprovido de vínculos afetivos e que faz o que é necessário para sobreviver. É quando ele recebe uma missão: conduzir uma menina, Ellie, até os vaga-lumes – uma espécie de resistência organizada que ainda trabalha em busca da cura para o vírus. Ellie é imune, de modo que a cura pode estar em seu sangue. Neste sentido, o que nós seguimos, ao longo de todo o primeiro jogo da franquia, é o desenvolvimento de uma relação afetiva entre Joel e Ellie, cuja presença é de um carisma sem tamanho. Impossível não simpatizar com ela, que é um acréscimo necessário de leveza em meio a arcos narrativos impregnados de violência e brutalidade. (o universo de The lastofus não é muito diferente do nosso, apesar de as ameaças do nosso não serem encabeçadas por fungos capazes nos transformar em zumbis, mas por sujeitos de carne e osso) É correto dizer que Ellie traz Joel de novo à vida, reinserindo-o em uma dinâmica afetiva que se havia perdido com a morte traumática de Sarah – não só para ele, mas também para quem jogou aquela cena. De início incomodado com a missão, Joel passa, de pouco em pouco, a se preocupar com Ellie. Não no sentido de ela ser a última esperança da humanidade: Joel não acredita na humanidade, e ele tem as suas razões para isso. Mas, no sentido de ser alguém que ele não suportaria perder. Joel se preocupa com Ellie como todo pai (e toda mãe) deveria se preocupar com suas filhas e seus filhos. É isto que sustenta o final do primeiro game, baseado em uma escolha moral muito pouco justificável caso não se compreenda que The lastofusnão é um jogo de eliminação de hordas e mais hordas de zumbi, mas um espaço de construção de afetos. A segunda parte desta franquia foi lançada na última semana, mais precisamente no dia 19 de junho. 5 anos após os eventos do primeiro jogo, Ellie agora está com 19 anos de idade e assume o protagonismo da história. Joel está presente, mas suas aparições são majoritariamente em flashbacks. Não entro em detalhes das razões pelas quais isso se dá para evitar spoilers de uma narrativa que se sustenta, em parte, nos impactos emocionais que ela é capaz de produzir nxsjogadorxs. O que quero destacar é outro ponto: diferentemente de The lastofuspart I, que foi uma rara unanimidade entre crítica e jogadorxs, a segunda parte desta franquia, embora muito superior à primeira em todos os aspectos, causou polêmica. Em um nível mais técnico, acusa- se o jogo de furos em seu roteiro, de modo a justificar situações pouco prováveis. Sinceramente: não concordo – considero todas as situações plausíveis em função do alto nível de tensão em que ocorrem, mesmo a mais dramática e questionável de todas, que envolve Joel. No entanto, nada se compara à rejeição que o jogo vem sofrendo por pautar uma agenda de discussão progressista. Ellie, a protagonista do jogo, é lésbica e desenvolve uma relação de bonito companheirismo com Dina – e aqui vale a pena comentar o cuidado que a direção de The lastofuspart II teve em dar a esta relação um peso muito mais afetivo do que sexual, embora a dinâmica desejante esteja evidentemente presente, como deve ser sempre a dois corpos que se amam. Lembro-me de, em 2013, quando vivíamos em um mundo menos pior do que este em que hoje estamos, eu ter comentado algo sobre redes sociais em sala de aula. Àquela altura, eu alertei xs estudantes para o conteúdo violento (e virulento) dos comentários públicos a vídeos no youtube: barbaridades e ignorâncias, preconceitos e crimes. Pedi que fizessem um estudo sobre a internet no sentido de refletirem acerca desta espécie de autorização que as redes oferecem para que a pior humanidade fale e seja lida/ouvida, constituindo redes de ódio. Apesar de eu estar absolutamente preocupado com aquele cenário, não poderia suspeitar – ou, inocentemente, não queria suspeitar (e toda inocência é uma culpa, já me disse Pier Paolo Pasolini) – que, 7 anos depois, aqueles comentários à margem de vídeos no youtube, além de permanecerem e ganharem corpo, seriam agora a tônica de um modo respaldado e legitimado de fazer política neste país. Nos diversos canais de resenha de jogos que acompanhei, procurei prestar mais atenção nos comentários públicos de assinantes ou visitantes do que, propriamente, nas opiniões emitidas pelxsarticuladorxs. O traço de ódio, caracterizador de uma violenta rejeição a corpos LGBTQI+, foi o vetor predominante na orientação de uma recusa ao jogo. Em seguida, a acusação de que The lastofuspart II é um “promotor público do enfraquecimento masculino”, o que quer que isso signifique. Não chega a ser exatamente estranho perceber que toda a identificação afetiva que os jogadores constituíram com Ellie, ao longo de sua jornada no primeiro jogo, foi prontamente secundarizada ou esquecida pelo fato de ela ser uma protagonista mulher lésbica e progressista no segundo, uma vez que nós somos uma triste sociedade em que pais e mães expulsam de casa ou maltratam ou assassinam filhxs LGBTQI+, também secundarizando ou esquecendo os vínculos familiares e afetivos constituídos no decorrer de uma vida inteira. A polêmica envolvendo The lastofuspart II é um sintoma de um mundo doente que, por exemplo, protesta contra as escuderias da Fórmula 1 por adotarem, nos halos dos carros, o símbolo do arco-íris como forma de se posicionarem contra a LGBTQfobia, ou contra a AMBEV, por desenvolver políticas em apoio à agenda dos corpos LGBTQI+ – houve mesmo quem fosse ao twitterda empresa para solicitar que desenvolvessem um rótulo em favor do “orgulho hétero”. Em um mundo que se afunda cada vez mais no absurdo, a politização da indústria de games – o que não é necessariamente um fato novo, haja vista eu mesmo já ter escrito aqui sobre Detroit: becomehuman, da Quantic Dream – é um elemento muito bem-vindo. The lastofuspart II é muito mais do que um grande jogo, um dos melhores de todos os tempos: é, sobretudo, um conteúdo necessário.

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A LUTA CONTINUA. JOHNI VIVE!

Imagem: The Last of Us Brasil – Fã Site

27/06/2020 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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