PAULO JOSÉ + ALBERTO PUCHEU - Meu nome é Johni

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PAULO JOSÉ + ALBERTO PUCHEU

PAULO JOSÉ + ALBERTO PUCHEU

Esta manhã, ao cumprir o exercício diário de ler as notícias matinais, fui surpreendido por uma chamada, que dizia “Paulo José deixou último trabalho em áudio: ‘ainda resta o que dizer’”.

    Falecido esta semana em decorrência de uma pneumonia, o ator lidava há 28 anos com o avanço da Doença de Parkinson, diagnosticada em 1993, o que limitou (embora não tenha de todo impedido) sua participação em produções audiovisuais da televisão e do cinema brasileiros nos últimos anos. Sem dúvidas, este é um fator que, talvez, não dê às gerações mais novas a dimensão correta de Paulo José, cuja carreira, nos palcos ou nas telas, constitui uma referência para atrizes e atores no Brasil. Para quem não o conhece, ou não o associa diretamente a uma interpretação marcante, recomendo que assista ao filme Quincas Berro D’Água, tradução para o cinema da novela A morte de a morte de Quincas Berro d’Água, de Jorge Amado, dirigido por Sérgio Machado. Àquela altura, Paulo José já tinha os movimentos do corpo e da fala um tanto afetados pelo desenvolvimento da doença, mas, ainda assim, consegue imprimir vida à personagem-título, sustentando todo o seu carisma e encanto.

    A notícia do falecimento de Paulo José já havia me alcançado de uma maneira comovente na última quarta-feira, 11 de agosto. Em um Brasil em guerra aberta contra as artes e os artistas, a morte de uma referência como Paulo José causa alguma espécie de desalento. No entanto, ao ler a referida chamada de hoje pela manhã, um afeto de alegria se acendeu em algum lugar de mim. De imediato, suspeito que o verso – ainda resta o que dizer – referia-se a um poema do Alberto Pucheu, “Apesar de tudo, o impossível”, publicado no livro Para que poetas em tempos de terrorismo?, lançado em 2017. Trata-se de um poema contra as sensações de niilismo e esgotamento causados pela percepção de que tudo ao nosso redor tende ao pior, quase como se estivéssemos em um beco sem saída – algo como este país e o bolsonarismo que o assola. Não é o caso de dizer que o poema acena com uma ideia de esperança – absolutamente não. Há, inclusive, uma recusa da esperança, esse afeto que organiza uma aposta na espera do tempo. O que o poema movimenta é uma força de não estar vencido, apesar de tudo; uma potência ativa de instaurar um outro possível, ao invés de ser contaminado e colonizado pelas impossibilidades.

    Cliquei na chamada e fui direcionado para a notícia, que, além de reduzir à potência do texto a um genérico “sobre a vida”, não inclui nenhuma informação sobre a sua autoria. No entanto, por intermédio dela, fiquei sabendo que a gravação havia sido realizada em função do projeto “Quer ver, Escuta”, do Grupo Galpão de Teatro, e, mais importante, pude ser remetido a um link para o youtube, através do qual conseguiria ouvir Paulo José recitar o poema.

    Foi emocionante. O poema ganha uma dimensão outra, quando lido por Paulo José – uma dimensão mesmo física, eu diria. Aqui, se trata do combate travado pelo próprio ator contra a doença que avançava sobre o seu corpo e fala. Neste processo, a dicção ficou evidentemente comprometida, o que exige cuidado e atenção para entender o que se diz. E é esta a razão pela qual o poema é potencializado em uma nova camada, a de um ator em guerrilha porque, apesar de todas as imitações impostas a ele pelo avanço da Doença de Parkinson, ainda resta(va) o que dizer – porque ainda há, e sempre há, como criar um outro real.

    Como não poderia deixar de ser, encerro este texto com a minha força de estar no mundo, aquilo o que Spinoza chamava de “potência de agir”, renovada. Deixo, logo abaixo, um trecho do poema e o link para que ouçam Paulo José.

apesar de tudo o que querem, apesar

de tudo já ter sido dito, é preciso dizer

que tudo ainda está por se dizer

(Alberto Pucheu)

A LUTA CONTINUA. JOHNI VIVE!

Foto: Reprodução/Instagram Tv Globo

13/08/2021 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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