FAÇAMOS UM TRATO - Meu nome é Johni

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FAÇAMOS UM TRATO

FAÇAMOS UM TRATO

Este texto sai com algum atraso. O planejamento inicial é que houvesse sido escrito e publicado na segunda-feira passada, dia 09 de março. No entanto, muitas coisas atropelaram umas às outras ao longo destes últimos dias, de modo que ainda me encontro aqui, em frente a este computador, digitando palavra após palavra. Peço desculpas. Não funciono muito bem sob um clima disseminado de medo: acabo tragado pela ansiedade e paraliso. Difícil juntar uma palavra à seguinte quando a televisão, o celular e o youtube – antes estratégias de apaziguamento – são uníssonos em apontar o espraiamento de ameaças aos nossos corpos e aos corpos de quem amamos.

            Na verdade, eu não havia pensado esta postagem como algo relacionado ao corona vírus. Antes, escreveria sobre uma dissertação de mestrado que li recentemente e que me trouxe alegria. Intitulado “Errata”, neste texto eu iria retomar a crítica anteriormente feita ao universo acadêmico para ressaltar exceções valiosas, que me fazem ainda acreditar verdadeiramente na universidade – aliás, uma das poucas instituições na qual deposito confiança. Este material está ali, na aba seguinte, no penúltimo ou antepenúltimo parágrafo, esperando o tempo de sua conclusão. Qualquer dia ele virá a público.

Hoje, especialmente hoje, eu preciso dizer de outras coisas. As medidas de fechamento das escolas públicas e privadas de Salvador, bem como dos cinemas e das praças municipais adotadas pelo prefeito ACM Neto – política posteriormente seguida também no âmbito do estado pelo governador baiano Rui Costa, que inclusive decretou a proibição ao trânsito de ônibus intermunicipais e interestaduais a partir desta sexta-feira – dão o sentido de proximidade da grave crise pela qual boa parte do mundo, em destaque a Itália, vem passando nos últimos meses. Já não é algo distante que acompanhamos pelos telejornais, ao mesmo tempo assustadxs e compadecidxs com o sofrimento de pessoas com quem, muito provavelmente, nunca chegaremos a trocar um abraço; mas (e não é fácil admitir isso), algo aliviadxs pelo vírus se multiplicar tão longe. Está aqui. Talvez amanhã, quando este texto estiver entregue e em vias de publicação, a cidade já se encontre com seu ritmo alterado: um fim de semana, mesmo sendo terça-feira, de praias vazias, shoppings desertos e pouco movimento nas ruas – apenas xs empregadxs assediadxs pelo risco de perda dos seus empregos. Talvez haja gente de máscara aqui e ali, mesmo este sendo um recurso recomendado apenas para profissionais de saúde e para aquelas pessoas que apresentam um ou outro sintoma respiratório, de modo a não passa-los adiante.O medo talvez tome conta de nossas cabeças, nos fazendo esquecer que, embora o perigo seja efetivamente real, a taxa de letalidade apresentada até então pelo corona vírus é baixa – números são frios demais, não dão conta de acalmar nosso instinto mais primário, aquele que nos diz da necessidade de sobreviver mais um dia. Ontem eu recebi um vídeo em que duas pessoas trocam socos e pontapés pelo fato de um deles ter espirrado sem proteger nariz e boca. É preocupante. E tende a piorar. Por isto, este texto é o que este texto é: um gesto clínico.

            Tenho insistido que uma das agendas políticas mais importantes de nosso tempo é sermos força umas às outras, uns aos outros, uns às outras, umas aos outros. Ser força não significa necessariamente o oposto da fraqueza. Ser força não nos exime de ter as nossas fragilidades. Muito pelo contrário: às vezes exige justamente que revelemos (inclusive a nós mesmxs) as nossas fragilidades. Por isso, eu te digo:

            – Também eu.

            Tudo apurado, sei que a probabilidade de óbito por corona vírus ou de contágio se eu ficar em casa, saindo apenas o mínimo necessário para comprar o pão de cada dia, é relativamente baixa. No fundo, talvez você também o saiba. Mas, assim como você, também eu estou com medo. Por mim. Pelos meus.

            Ser força tem a ver com estarmos à altura de nossos fantasmas. Não se trata, sob hipótese alguma, de bancar uma imagem de forte e fingir não ser passível de abalos – particularmente, não acredito que existam seres fortes ou fracos, penso que esta é uma dicotomia feita para subalternizar ainda mais os que, por uma razão ou outra, vêm a sucumbir. Ninguém é tão forte quanto pensa ser. No fundamental, todxs nós temos um ou vários pontos de quebra – e isto não passa por uma questão de intensidade da dor, mas por sua disposição geográfica. Isto é, refere-se mais a onde do que a quanto dói. Daí a necessidade de estarmos à altura de nossos fantasmas. Ocultá-los de nós mesmxs, fingindo-os inexistentes ou reduzindo-os a meros lençóis brancos docilizados, é conferir a eles ainda mais poder de domínio sobre nós, consequentemente, nos tornando ainda mais frágeis e suscetíveis ao seus desesperos. Por isso, eu te digo:

            – Sim, também eu.

            Ser força tem a ver com estar junto. Não necessariamente compartilhando do mesmo espaço, atitude que poderia aumentar os riscos que já corremos, mas, verdadeiramente estar junto. Isto é, de alguma maneira nos atravessarmos, de modo que eu saiba que você está aqui e que você saiba que eu estou aí. É precisamente isto: ser presença. O nosso isolamento físico, como atitude mais responsável visando a prevenção, não pode acarretar o impedimento de nos tocarmos como forças mútuas capazes de sustentar e incrementar a nossa potência de agir – essa energia vital que diz do modo como eu estou no mundo. Ser presença é produzir saúde em meio a este caos. Na impossibilidade de se oferecer o aconchego de um abraço, não deixemos de nos oferecer enquanto lugares de escuta.

            Não sei quantas vezes por dia você tem acessado notícias sobre o avanço do corona vírus, nem em quais jornais o tem feito, se nos mais recomendáveis ou se naqueles especializados em disseminar o pânico. No entanto, quero te propor que façamos um trato. A cada atualização que receber sobre a ampliação no número de contaminadxs e de mortxs, porque já sabemos ser previsível um aumento exponencial nos próximos dias, sinta um abraço e a minha voz – pode dar a ela o tom que preferir. Te digo:

            – Calma. Cuidemos juntxs de nossos medos.

            Talvez eu queira te fazer rir um pouco com alguma besteira. Não leve a mal. É porque eu acredito no potencial curativo da leveza. As manchetes têm sido demasiadamente pesadas – a foto de um presidente sob suspeita de contaminação, portanto, que deveria estar submetido à quarentena, em frente ao Palácio do Planalto abraçando manifestantes que ali estavam para apoiá-lo em sua campanha golpista contra a democracia brasileira é, como diria Caetano em “Guantánamo”, “por demais forte/ simbolicamente/ para eu não me abalar”.

            (essa manchete merece parênteses. ontem à tarde vi, na capa da Folha de São Paulo, que a Janaína Paschoal, autora do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff e apoiadora de primeira hora do então candidato Jair Messias Bolsonaro, defendia, no púlpito da ALESP, o afastamento do atual presidente (sic) do cargo. é. o tempo tem dessas ironias)

            Como eu dizia, as manchetes têm sido demasiadamente pesadas. A cada hora, elas nos atualizam sobre a quantidade de contaminadxs e de suspeitas de contaminação em nosso país, estado ou em nossa cidade – além do número de mortes, que já somam milhares em outros países e começam a acontecer no nosso. Não direi para você que estes números são irrelevantes de um ponto de vista estatístico. Além de uma insensibilidade tremenda – vidas, quais sejam, importam, afinal de contas – seria descartar a possibilidade efetiva de estar ao seu lado. Entendo o teu medo e repito: também eu. Talvez eu queira te fazer esquecer por alguns minutos esses números, isso sim. Talvez eu queira produzir algum instante de leveza – sim, um instante pequeno, de miudeza tiquinha, mas que nos possa segurar pelo resto do dia. Por isso, eu te digo:

            – Calma. Cuidemos juntxs de nossos medos.

Acredita em mim: a leveza tem mais força que o peso. Nosso maior desafio hoje, além de criarmos estratégias para lidar com o confinamento preventivo, é o de conseguir produzir uma sensação de leveza que proteja a nossa saúde mental. Por isso, insisto: sejamos presença na vida de quem amamos, mesmo que em estado de ausência física. Cuidemos juntxs de nossos medos.

            Vou finalizar esta postagem com um poema do uruguaio Mario Benedetti, do qual me veio o título e a ideia deste texto: Hagamos un trato (Façamos um trato).Transcrevo-o preservando a sua língua inicial, o espanhol, pois ele melhor soa a mim desta forma e também porque não encontro uma tradução ao português que realmente me agrade, apesar de serem várias as disponíveis na internet.

Um abraço sincero a todxs.

Hagamos un trato

Compañera

usted sabe

puede contar conmigo

no hasta dos

o hasta diez

sino contar

conmigo.

si alguna vez

advierte

que la mira a los ojos

y una veta de amor

reconece en los míos

no alerte sus fuziles

ni piense qué delírio

a pesar de la veta

o tal vez porque existe

usted puede contar

conmigo.

si otras veces

me encuentra

huraño sin motivo

no piense qué flojera

igual puede contar

conmigo.

pero hagamos um trato

yo quisiera contar

com usted

            es tan lindo

saber que usted existe

uno se siente vivo

y quando digo esto

quiero decir contar

aunque sea hasta dos

aunque sea has cinco

no ya para que acuda

presurosa en mi auxilio

sino para saber

a ciencia certa

que usted sabe que puede

contar conmigo.

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A LUTA CONTINUA, JOHNI VIVE!

Imagem: Internet

18/03/2020 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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