ENTÃO, CARNAVAL - Meu nome é Johni

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ENTÃO, CARNAVAL

ENTÃO, CARNAVAL

Inicio este texto no mesmo instante em que ouço os primeiros acordes de preparação para um samba que, em poucas horas, ocupará o Campo Grande, atravessará a Avenida Sete de Setembro, contornará o Edifício Sulacap, subirá a Carlos Gomes, passará ao lado da janela aqui de casa e, por fim, se dispersará na Casa d’Itália. São também os primeiros momentos do carnaval soteropolitano, este que, na verdade, já se iniciou há alguns dias, com atrações desfilando no outro circuito, o Barra-Ondina. É uma festa de contradições, de belezas e tristezas.  Por um lado, é uma aposta na alegria – e a alegria, eu não canso de repetir, quando experenciada como um modo de vida, é revolucionária. Por outro, é palco de violências. E não me refiro a problemas derivados das brigas que ocorrem ou das intervenções policiais, mas às segregações que se dão verticalmente – rua/camarote – ou horizontalmente – dentro/fora do bloco, quem bebe/quem cata a latinha de cerveja, etc.

            Um antigo colega de faculdade, alguém com quem eu já não tenho o menor contato, certa vez escreveu um verso a propósito do carnaval: “repare nas cinzas da quarta-feira”. Era daquelas pessoas que, a pretexto de se afirmarem como intelectuais, reservavam certo desdém para festas populares, como o carnaval. Para ele, a festa se resumia ao que nela há de pior. Mesmo a euforia que toma os corpos ao longo da festa de Momo não seria mais que uma alegria triste, desprovida de qualquer potência. Seria tão somente uma alegria docilizada, capturada, controlada. Uma alegria a serviço das engrenagens do status quo, ao invés de uma força alegre que emergisse a despeito de toda tentativa de controle e disciplinarização.

            Sinceramente? Acho este tipo de pensamento extremamente simplório e desconectado do que é o carnaval: um campo complexo e múltiplo de possibilidades. A começar pela liberdade transgressora que os corpos assumemdurante o período. Em uma sociedade cada vez mais guinando ao conservadorismo moral, não visualizar os dias de Momo como estratégia (revolucionária? consciente? Molecular?) para desentupir os canais do desejo, vigiados e reprimidos por câmeras e familiares e religiosos e políticos ao longo do resto do ano, é escolher não olhar para onde as micropulsações de libertação podem acontecer. Em uma sociedade que tende ao silenciamento e à prática da censura, não perceber as manifestações políticas que se multiplicam nos corpos e nas ruas, sobretudo na maravilhosa Mudança do Garcia, é escolher não olhar para onde a indignação se coloca. E isso se reflete em todo o Brasil. Ou alguém jamais esquecerá os desfiles da Paraíso do Tuituíde 2018 ou da Mangueira de 2019? Ou alguém jamais esqueceu a cena icônica de um Cristo Redentor sob uma densa lona preta carregando a faixa “mesmo proibido, olhai por nós”, no desfile de 1989 da Beija-Flor?

            “Eu queria/ que essa fantasia fosse eterna/ quem sabe um dia a paz vence a guerra/ e viver será só festejar?”, canta um dos hinos do carnaval baiano. Confesso que resisti em citá-lo aqui. Menos pelo seu efeito clichê, do que por ter uma visão igualmente simplória do carnaval, só que espelhada àquela anteriormente comentada. O carnaval não é um quando em que a paz vence a guerra: os conflitos estão lá, visíveis, pulsantes. O carnaval não pode ser visto como uma utopia encarnada. Isso sim seria fazer o jogo do status quo. Ainda assim, esses versos de Evandro Rodrigues estão aqui, neste texto. Talvez para sinalizar que, se o carnaval não é o lugar da utopia encarnada, nele acontecem movimentos, danças, encontros, gritos, gestos que afirmam sua sobrevivência como desejo e luta, apesar de tudo.

            Desejo a todxs um excelente carnaval. E que, mesmo nas cinzas da quarta, quinta, sexta, segunda, ou qualquer que seja o dia, o gérmen da alegria de Momo continue a encontrar o seu caminho.

Comunidade Johni Raoni

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Imagem: Arlequim pensativo – Picasso, Pablo Ruiz (1901)

Técnica: Óleo sobre tela | Dimensões (em cm): 82,8 x 61,3 | Local de exposição: Museu Metropolitano de Arte – Nova Iorque – EUA
Fonte: passeiweb

23/02/2020 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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