DUAS NOTÍCIAS DA ÚLTIMA SEMANA - Meu nome é Johni

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DUAS NOTÍCIAS DA ÚLTIMA SEMANA

DUAS NOTÍCIAS DA ÚLTIMA SEMANA

“Você tem 24 horas para retirar seu conteúdo sobre mim. Depois disso, processo ou bala. Você escolhe”.

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            “Temos que botar eles em um hotel 5 estrelas para não ter problema com o Ministério do Trabalho? […] Não contratem mais aquela gente lá de cima. Conversem comigo, vamos criar uma linha e contratar os argentinos. Porque todos os agricultores que têm argentinos trabalhando hoje batem palmas. São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantêm a casa limpa e, no dia de ir embora, ainda agradecem ao patrão pelo serviço prestado e pelo dinheiro que receberam. Agora os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que se fosse ter esse tipo de problema. Então, o que eu quero dizer é: deixem de lado aquele povo, que é acostumado com carnaval e festa”.

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            A primeira transcrição corresponde à ameaça feita por Thiago Schutz à atriz Lívia La Gatto. A segunda, ao discurso proferido por Sandro Fantinel na tribuna da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, quando o edil, então filiado ao Patriotas, fez a defesa das vinícolas gaúchas denunciadas por uso de força de trabalho escravizada.

            No primeiro caso, tem-se a reação belicosa daquele que dissemina o movimento RedPill no Brasil, uma rede masculina baseada na fantasia de que os homens são oprimidos pelas mulheres e de que o feminismo se consolidou como um discurso hegemônico, principal força estruturante da sociedade em que vivemos – digo “fantasia” apelando à dimensão delirante que o termo comporta, ao seu completo e patológico descolamento do real, não ao sentido lúdico geralmente associado a crianças.

            No segundo, além da naturalização de condições de trabalho análogas à escravidão, o que por si só já implica a redução do outro à condição de infra-humanidade, observa-se o enraizamento profundo da xenofobia contra os baianos – “aqueles lá de cima”, fazendo referência à disposição geográfica dos estados no mapa do Brasil.

            Embora distintas em sua forma e em seu teor, as duas reações – a ameaça de Thiago Schutz à atriz Lívia La Gatto e o discurso do vereador Sandro Fantinel – se encontram em um ponto em comum: ambas são o esperneio belicoso de estruturas dominantes em face de seu tensionamento. No primeiro caso, a dominação masculina sob a forma de patriarcado. No segundo, a branquitude senhorial.

            Lívia La Gatto havia produzido e publicado um vídeo em suas redes sociais em que ironizava os coaches de masculinidade – aqueles que utilizam as plataformas virtuais para defender, propagar e supervalorizar um comportamento masculino de tipo alfa, isto é, dominante, além de promover discursos contra os avanços sociais de mulheres e o feminismo. Thiago Schutz, que viralizou como “coach do Campari” – em que pese o fato de a marca de bebidas ter procurado se dissociar dele apenas após a ameaça dirigida à atriz –,atingido pela força de um riso politicamente engajado, que o ridiculariza na medida exata do ridículo que é, mandou uma mensagem de áudio em que coloca a vida de Lívia La Gatto em risco – a palavra “bala”, no contexto em que foi empregada na mensagem, não comporta outro sentido senão o de atentado à vida.

            Em face da denúncia de emprego de força de trabalho em condições análogas à escravidão pelas vinícolas gaúchas, fato documentado e fartamente comprovado com imagens e relatos, o vereador Sandro Fantinel – depois expulso do Patriotas, partido pelo qual fora eleito – fez a defesa dos produtores de vinhos e sucos de uva do Rio Grande do Sul. Sua defesa, no entanto, não procurou desmentir a acusação com provas em contrário ao que fora denunciado. Antes, apelou ao pretenso “direito” em maltratar – não é outro, afinal de contas, o sentido da pergunta “temos de botar em um hotel 5 estrelas?”. Além disso, criou uma distinção entre “argentinos” e “aqueles lá de cima”, os baianos, baseada na suposta capacidade de ordem e trabalho daqueles enquanto os outros saberiam apenas “tocar tambor” e “ir à praia”. E não é difícil ouvir o eco da associação preconceituosa entre baianos, preguiça e vagabundagem – tão ao gosto do racismo da virada do século XIX para o XX (e dos territórios ao sul/sudeste deste Brasil)– na fala do edil caxiense. Ou alguém consegue desconsiderar o fato de que a xenofobia contra nordestinos no geral, e contra baianos no particular, descende diretamente do racismo científico finissecular e das políticas oficiais de branqueamento que tiveram lugar no país, mais especificamente, de São Paulo para baixo?

            A branquitude senhorial, saudosa dos tempos da escravidão e mal disfarçando, ou sequer disfarçando, o racismo que a organiza como subjetividade, esperneou frente ao tensionamento de suas práticas de discriminação e escravização pela boca de Sandro Fantinel.

            O patriarcado, saudoso de uma dominação masculina sem tantas forças em contrário e mal disfarçando, ou sequer disfarçando, o ódio misógino que o organiza como subjetividade, esperneou frente ao tensionamento de suas pretensões a uma voz única, alfa, masculina pela boca de Thiago Schutz.

            Em seguida, face à repercussão pública dos casos, mais um ponto em comum: ambos, Sandro Fantinel e Thiago Schutz, deram um passo atrás: disseram “não foi bem assim”, “fui mal entendido”, “não quis ameaçar/ofender”, “quem me conhece, sabe que eu nunca…” – e outras lengalengas do tipo. Não há margem para dúvidas: quem porventura acreditar serem simples enganos tais discursos, coisa sem importância que não traduz os verdadeiros cidadãos de bem, certamente estará comprometido com a sobrevivência do patriarcado e da branquitude escravocrata.

            Quanto ao resto, que, espero, seja a imensa maioria, compete seguir a luta para que um terceiro ponto de convergência toque igualmente a Sandro Fantinel e a Thiago Schutz: a punição dura, justa e merecida, sem qualquer tipo de atenuante.

            E seguir em guerra em prol de um tensionamento cada vez maior do patriarcado e da branquitude, visando ao desmonte de ambas as estruturas sociais.

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A LUTA CONTINUA. JOHNI VIVE!

Imagem: Reprodução Instagram

03/03/2023 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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