A INTERNET SERIA UM PROBLEMA? - Meu nome é Johni

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A INTERNET SERIA UM PROBLEMA?

A INTERNET SERIA UM PROBLEMA?

Já não é qualquer novidade que os meios tradicionais de comunicação – o rádio, a televisão, os jornais impressos – têm enfrentado a concorrência de plataformas digitais, como o twitter e o youtube,no que tange aos serviços de informar e emitir opiniões a respeito do dia-a-dia – seja este na esfera micro ou macropolítica. A internet possibilitou que qualquer pessoa, antes restrita à condição de receptora de conteúdos, se tornasse também emissora – independentemente de suas qualificações, ou da ausência delas, para exercer tal função. Desde que se tenha uma câmera na mão e uma conta logada, praticamente não há filtros para o que se possa dizer, ainda que o dito seja constituído por discursos de ódio, fake News, campanhas difamatórias ou puro charlatanismo.

A leitura estabelecida pelo escritor italiano Umberto Eco a respeito das possibilidades abertas pela internet é por demais conhecida: segundo ele, uma legião de imbecis, antes confinada às mesas de bar ou às reuniões familiares, agora fala para milhões de seguidorxs.

(primeiroparêntesis: a própria ideia de ser uma “seguidora” ou um “seguidor” se apresenta a mim como perigosa, uma vez que alude a uma certa relação messiânica que se estabelece entre o líder ou a líder e sua multidão de acólitxs fiéis, favorecendo, assim, uma certa postura acrítica)

Por mais pesada que seja a palavra “imbecil”, não raro utilizada para desqualificar posições contrárias à nossa no cenário de debate político e intelectual, Eco tem razão. Seu diagnóstico do conteúdo circulante por intermédio das redes sociais está correto. Há um boom de comentários que não são mais do que um rasteiro senso comum, para falar apenas dos mais inofensivos. Do negacionismo científico – século XXI e há quem seja terraplanista, meu deus! – à apropriação de termos científicos para problemáticos usos alheios à ciência – o termo “quântico”, por exemplo, é utilizado a torto e a direito sem nenhuma vinculação à teoria, para desespero e urticária dos físicos –, passando pelas campanhas difamatórias e o radicalismo raivoso, a internet tem sido palco para a captura de nossas vulnerabilidades, desde as que nos trazem a necessidade de acreditar em soluções simplórias para os nossos problemas – entenda, o universo não conspira a seu favor nem contra você: o universo nem sabe que você existe (e isto é libertador) – àquelas que mobilizam o ódio como modo de interação com o outro e neutralização de qualquer diferença.

No entanto, parece-me um pouco redutor culpabilizar a internet, que não passa de uma mera ferramenta. Se esta abriu espaço para uma legião de discursos imbecis, como de fato o fez, é fundamental reconhecer que ela também possibilitou a emergência de uma legião de pensadorxsoutsiders, ou seja, aquelxs que não estão – não querem estar e não precisam estar – na Academia ou nas redações dos jornais tradicionais. Gente que tem assumido posições progressistas importantes, não raro sob ameaça de vida. Verdadeiras redes de resistência têm se organizado a partir das articulações promovidas em função dos encontros apenas possíveis no ambiente virtual. A internet, em si, como toda ferramenta, é neutra: depende absolutamente do uso que se faz dela.

(segundo parêntesis: é óbvio que existem condicionantes. é conhecida a crítica que se faz ao algoritmo que filtra e oferece conteúdo ao usuário das redes sociais. sem dúvida, ele favorece a formação de bolhas, uma vez que inocula o mais do mesmo, variando apenas a intensidade de radicalismo. quase não há brecha ao contraditório, ao diferente. no entanto, mesmo este mecanismo não funciona de per si, seu ponto de partida é o campo de interesses dxusuárix, delimitado por meio do acesso ao seu histórico de pesquisa. isto é, o algoritmo não direciona ninguém a “a” ou “b” porque ele, o algoritmo, quer promover um em detrimento do outro, mas pelo fato de, anteriormente, x usuárix já ter demonstrado algum nível de interesse em um ou outro)

Nesse sentido, e sem descuidar dos mecanismos de funcionamento das redes, parece-me que a questão realmente importante a ser pensada não versa sobre o leque de opções abertas pela internet. De um modo ou de outro, as opções mais radicais e violentas, menos afeitas ao diálogo e à troca, já existiam e se encontravam enraizadas no cotidiano nacional. Não é de agora, por exemplo, que o Brasil mata militantes sociais ou que o senso comum compartilha acusações difamatórias e absurdas em relação a forças de tensionamento, como o MST, para ficarmos, talvez, no caso mais paradigmático. Não é de agora que o senso comum procura deslegitimar movimentos de grupos minoritários. Não é de agora que o país aprova tacitamente o extermínio de pessoas encarceradas, seguindo o triste lema “bandido bom é bandido morto” – o verso “e o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina”, composto por Caetano Veloso e Gilberto Gil, é de 1993, nos primórdios da internet. Sendo assim, repito: não me parece que o problema a ser pensado tenha realmente a ver com a liberdade promovida pela internet no que diz respeito à emissão de posicionamentos – ainda que alguns deles avancem perigosamente em direção a práticas criminosas, devendo ser responsabilizados por isso.

A questão a ser posta, e que realmente interessa, nos leva a investigar as razões pelas quais o desejo de boa parte de nossa população se alinha às posições do retrocesso e da violência. Reduzir este fenômeno a uma mera manipulação – antes, era a manipulação midiática promovida pelos grandes sistemas de telecomunicação – me parece extremamente simplório. Afinal, o sujeito manipulado é desprovido de desejo, sendo movimentado pelo desejo do outro, que o controla?Mas, não há corpo desprovido de desejo, uma vez que esta é a força que nos movimenta em direção a algo…

(terceiro parêntesis: no modo como esta ideia de manipulação resiste entre nós, talvez haja algum resquício da tentativa de salvar uma suposta “boa índole” do ser humano, posteriormente corrompido por algo que lhe é exterior – seja este algo o diabo, a sociedade, o sistema político-econômico ou, agora, a internet. seja como for, isto implica um maniqueísmo muito básico, que elimina a problematização do desejo)

Portanto, o que me parece realmente importante de ser pensado gira em torno da seguinte pergunta: por que a lógica da violência e da exclusão, das forças tristes e de morte, se apresenta como mais sedutora, logo, eficiente na captura dos desejos, do que uma lógica proposita da diferença como força positiva? A internet não inaugurou este fenômeno; ele vem acompanhando a nossa formação como sociedade. Talvez, a internet o tenha potencializado ou hiperdimensionado, mas ele lhe é muito anterior. Sendo assim, investigá-lo é justamente a nossa possibilidade de encontrar e problematizar onde temos falhado. Porque, isto sim, a internet tem feito: evidenciar, sem sombra de dúvidas, que temos falhado redondamente como sociedade.

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Foto: GETTY IMAGES

01/08/2020 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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